O valor duradouro da Ceia do Senhor participativa
Por J. J. ROUTLEY
Eu cresci numa igreja bíblica que celebrava a morte e a ressurreição do Senhor Jesus Cristo uma vez por semana numa reunião chamada "A Ceia do Senhor". Também era conhecido na nossa família como "O Partir do Pão" ou o "Primeiro Culto". A reunião é diferente dos cultos de comunhão na maioria das igrejas evangélicas no facto de se tratar de um culto em que os homens que confiaram no Senhor Jesus Cristo podem se levantar espontaneamente e comunicar algo de coração sobre o seu Salvador. Ouvi muito sobre a importância deste culto durante os meus anos de crescimento, muitas vezes no próprio culto. Muitas pessoas ao longo dos anos têm testemunhado do seu significado na sua vida. Alguns têm-no identificado como a principal razão pela qual eles escolheram congregar-se numa determinada igreja local. Outros qualificam esse culto como a hora mais importante da sua semana.
Muitos têm escrito sobre o fundamento bíblico para a Ceia do Senhor participativa. Esse não é o propósito deste artigo, embora seja uma área de necessidade contínua. Também não pretendo fazer generalizações dilatadas sobre as igrejas que usam este tipo de culto, o que parece popular entre alguns hoje. No que se segue, eu simplesmente quero oferecer sete razões pelas quais eu valorizo a Ceia do Senhor. Isto não pretende ser uma lista exaustiva, como se eu pudesse, em poucas palavras, abranger o imensurável valor de nos lembrarmos do Salvador desta forma. Embora estas razões estejam muito no meu coração, elas não são de modo algum exclusivas apenas para mim. Espero que, ao lê-las, também seja movido a se maravilhar com a múltipla sabedoria de nosso Senhor Jesus Cristo ao instituir este memorial.
A Ceia do Senhor ensina a verdade bíblica
Esta é uma afirmação que tem sido tantas vezes repetida que o seu efeito tem sido extremamente diminuto. O culto do Partir do Pão ensina a Bíblia de uma forma tão vívida e teologicamente tão rica como não é possível num culto tradicional de pregação. Há várias razões para isso. A primeira, apesar de haver muitos subtemas durante o culto, o tema principal é sempre o Senhor Jesus Cristo: a Sua morte e ressurreição. O que quer que seja dito, Cristo é a chave. Isso significa que quando um crente se ergue para falar, ele fala do Senhor Jesus Cristo. Assim, o Senhor Jesus Cristo é proclamado de todas as Escrituras; Velho e Novo Testamentos, tanto passagens bem conhecidas como as mais obscuras. Os oradores, portanto, fazem o trabalho de apresentar uma teologia bíblica coerente em relação ao Senhor Jesus Cristo semana após semana. Em segundo lugar, há um grupo diversificado de crentes que leem, oram, se regozijam e partilham pensamentos sobre textos bíblicos durante este culto. Esses crentes têm diferentes estilos, diferentes tons e variações na voz, diferentes níveis de intensidade e emoção. Estes diferentes estilos permitem um potencial crescente na aprendizagem entre o grupo diversificado que compõe a congregação da igreja, uma vez que cada crente individual possui diferentes estilos de aprendizagem. Simplificando, na Ceia do Senhor participativa há algo para todos.
A Ceia do Senhor exige reflexão individual
“Examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice” (1 Cor. 11:28). Em relação à Ceia do Senhor há dois aspetos, tanto coletivo como individual. Individualmente, o culto é um momento para a reflexão pessoal sobre o meu estado espiritual diante de Deus. Como foi a minha vida desde a última vez que tomei o pão e o cálice? Existe algum pecado não confessado que abrigue, alguma atitude arrogante ou ímpia de que me recuse arrepender? Tenho-me saturado com a Palavra de Deus? E o meu tempo de oração perante o Senhor? Se o sacrifício de Jesus na cruz visou restaurar um relacionamento correto entre mim e Deus, estas questões de relacionamento devem ser formuladas e refletidas antes do verdadeiro culto ao meu Salvador começar. Muitas vezes, destaca-se que o exame pessoal não deve levar a abstermo-nos de tomar os elementos se tivermos sentimento de culpa, mas sim a refletirmos, arrependermo-nos e retomarmos a comunhão através da tomada do pão e do cálice. Dessa forma, a nossa reflexão pessoal reflete a nossa experiência de salvação: o pecado não tem a palavra final, mas é conquistado pelo nosso relacionamento com o Senhor Jesus Cristo por meio da fé.
A Ceia do Senhor ajusta a nossa visão espiritual
O mundo em que vivemos contamina as nossas mentes e corações e procura afastar-nos de Jesus Cristo. De uma semana para a seguinte, o pecado desenfreado evidente ao nosso redor pode entorpecer as nossas mentes, endurecer os nossos corações e deteriorar a nossa visão espiritual. A Ceia do Senhor serve para corrigir essa visão deteriorada ao "injetar" a verdade em nossas vidas. A verdadeira natureza da humanidade é exibida em cada domingo ao reajustarmos a nossa visão (da perspetiva positiva que a sociedade tem relativamente à humanidade) com a denúncia das Escrituras (da nossa incapacidade de fazer o que quer que seja de bom em e por nós mesmos). A verdadeira natureza do pecado é proclamada, deslocando a nossa lente de tolerância e permissão a respeito do pecado ... para a chamada cristã para colocar sob morte a natureza do pecado. A verdadeira natureza da salvação, não apenas como justiça social, euforia emocional ou realização mística, mas sim como libertação da escravidão do pecado adquirida pelo precioso sangue de Cristo, altera a nossa perspetiva. O Partir do Pão refocaliza semanalmente os olhos dos nossos corações.
A Ceia do Senhor cria oportunidades para a adoração trinitária
Quando lemos a Palavra conjuntamente, oramos conjuntamente, cantamos conjuntamente, é-nos dada a oportunidade de adorar o Deus Triúno. Uma vez que a adoração tem a ver com atitudes e motivações, dois indivíduos podem estar sentados juntos no mesmo culto, ouvindo as mesmas palavras lidas e proferidas em oração, e cantando as mesmas músicas, e um adorar enquanto o outro não. Porém a oportunidade (para adoração) é apresentada a cada indivíduo, e cada um deles deve aproveitá-la. Uma vez que um crente deixa de estar preocupado consigo mesmo e, em vez disso, se concentre em Cristo, vemos a adoração dirigida à Divindade acontecer de formas sublimes.
O Senhor Jesus Cristo é o centro da Ceia do Senhor: é a Sua ceia, por Ele instituída. Nós lembramo-nos da Sua vida, morte e ressurreição, e ao fazê-lo, adoramo-Lo como Ele nos pediu. Quando adoramos o Senhor Jesus Cristo, o Filho, neste culto, Deus Pai é glorificado. O plano predeterminado do Pai levou o Filho a encarnar, sofrer e morrer em nosso lugar. Nós oramos ao Pai, louvando-O por ter enviado o Seu Filho, por ter dado o Seu Filho unigénito até ao ponto de morrer, e Ele ouve as nossas orações e recebe a nossa adoração. O Espírito Santo opera de modo semelhante no culto. Ele guia o nosso pensamento e a leitura das Escrituras, convence-nos do pecado, dota-nos para nos encorajarmos e edificarmos uns aos outros e, em tudo, magnifica o Senhor Jesus Cristo como o unigénito de Deus. Assim, no nosso culto de adoração, cada pessoa da Trindade está ativamente envolvida nas múltiplas e diversas formas, operando em nós, entre nós, e através de nós, na edificação do “um só corpo” de Cristo.
A Ceia do Senhor destrói o orgulho e a arrogância
É verdade que semanalmente sou confrontado com um Salvador crucificado que morreu no Calvário pelos pecados do mundo, mas sou colocado mais em confronto com os meus próprios pecados, e vejo o meu pecado como ele realmente é. A minha arrogância é revelada. As atitudes do meu coração que ninguém vê como eu, e as motivações secretas para me elevar a mim mesmo e o avanço na luta contra o Espírito, é desnudada. Tudo isto é destacado em contraste com o corpo do Senhor Jesus Cristo quebrado e o Seu sangue derramado por mim. Quando o Senhor Jesus Cristo é magnificado na Ceia do Senhor, o meu pecado assume a sua forma real e grotesca. É como se ao tomar o pão e o cálice eu fique diante do Salvador quando Ele sofreu na cruz, e todos os meus feitos e as coisas que eu considero de valor, fora de Cristo, sejam reveladas como sem valor. Eu ouço as palavras: "Àquele [Jesus] que não conheceu pecado, [Deus] O fez pecado por nós; para que n’Ele fôssemos feitos justiça de Deus ", e o orgulho é erradicado. Como me posso gloriar em qualquer parte de mim mesmo, conhecendo a pena que o meu pecado exige e quão indigno sou de uma salvação tão grande? Quando eu vejo o Senhor Jesus Cristo enquanto estou na mesa do Senhor, "o que para mim era ganho reputo perda por Cristo, e desprezo todo o meu orgulho", [Do hino Ao Meditar, na sua letra original em inglês – When I Survey the Wondrous Cross, por Isaac Watts].
A Ceia do Senhor une os corações dos crentes
Na Ceia do Senhor há tanto um aspeto individual como um aspeto coletivo. Individualmente, avalio o meu estado espiritual diante de Deus, confesso o pecado e preparo o meu coração para a adoração. No entanto, ao sermos conduzidos por outros no culto para pensarmos em Cristo nas Escrituras, entoamos cânticos de louvor e de adoração a Ele e fazemos orações de ação de graças pelo Seu trabalho realizado, um maravilhoso sentimento coletivo de amor e gratidão flui de outros que adoram igualmente. Os nossos corações são conjuntamente unidos em torno de um amor comum pelo Senhor Jesus Cristo que é aformoseado no culto e uma profunda apreciação comum pelo que foi feito a nosso favor. As distinções sociais e étnicas que existam ao longo da semana já não nos separam ali, mas pessoas de diversas origens são unidas em espírito para louvar o Deus Triúno pela obra salvífica do Senhor Jesus Cristo, o Filho. Desta forma, uma bela unidade na diversidade e diversidade na unidade é exibida entre os crentes quando olhamos para o Senhor Jesus Cristo ali.
A Ceia do Senhor transforma a mente
Quando o nosso pecado é confrontado, o orgulho é dizimado, a visão está focada em Cristo e os corações estão unidos em amor e gratidão, o Espírito Santo renova as nossas mentes, transformando os nossos pensamentos e imaginações. O mundo que nos rodeia desvanece-se ao colocarmos os nossos corações nas coisas de cima. As nossas preocupações, temores, ambições, e motivações são todas abatidas diante do Cordeiro de Deus crucificado e glorificado. O sofrimento e a exaltação do nosso Senhor Jesus Cristo mudam a forma como vemos o mundo que nos rodeia. Ao vermos Cristo sentado à direita de Deus, o Pai, silencia as nossas preocupações e receios. O conhecimento que Ele nos elevou ali com Ele erradica toda ambição e motivação pecaminosa. O que nos resta é o nosso glorioso Deus e Salvador que ocupa o trono dos nossos corações e a sede das nossas afeições. Se o Espírito Santo tiver liberdade na Ceia do Senhor, o resultado é o derrube de todos os deuses falsos e a magnificação do Senhor Jesus Cristo. Tendo sido transformados pela renovação das nossas mentes, ficamos novamente prontos para combater as forças espirituais da maldade nos lugares celestiais.
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Estas são sete razões pelas quais eu valorizo muito a Ceia do Senhor participativa. Numa cultura contemporânea em que este culto se torna cada vez menos importante, faremos bem em lembrar as palavras do autor da epístola aos Hebreus: "Retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu. E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos à caridade e às boas obras. Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia" (Heb. 10:23-25).
Por J. J. ROUTLEY