Atos Dispensacionalmente Considerados - CAPÍTULO XLVI – Atos 25:23-26:32 (6)

Acts dispensationally considered

 

A SUA CONVERSÃO A CRISTO

 

     “Sobre o que, indo então a Damasco, com poder e comissão dos principais dos sacerdotes,

     “Ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol, cuja claridade me envolveu a mim e aos que iam comigo.

     “E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me falava, e em língua Hebraica dizia: Saulo, Saulo, por que Me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões.

     “E disse eu: Quem és, Senhor? E ele respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues;

     “Mas levanta-te e põe-te sobre teus pés, porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda;

     “Livrando-te deste povo, e dos Gentios, a quem agora te envio,

     “Para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os que são santificados pela fé em Mim.”

 

- Atos 26:12-18.

 

     Foi sem dúvida o próprio Saulo que incendiou a perseguição que se agudizou contra os seguidores do Messias. De acordo com os registos, era ele que “assolava a igreja” (8:3), que “perseguia” os crentes em Jerusalém (9:21),  que “sobremaneira perseguia a igreja de Deus e a assolava (Gál 1:13). Foi ele que foi ao sumo sacerdote pedir cartas que conferiam autoridade para prender todos os seguidores de Cristo em Damasco e levá-los a Jerusalém a fim de serem punidos.

     Mas não se deve presumir que os principais sacerdotes não tivessem ficado mais do que contentes ao fazer com que este jovem fanático provocasse ódio contra Cristo e os Seus seguidores, e Paulo tem o cuidado de enfatizar esse facto. No relato que ele faz da sua conversão dada diante da multidão em Jerusalém, ele referiu-se ao “sumo sacerdote ... e todo o conselho dos anciãos” como testemunhas das suas perseguições, e acrescentou: “recebendo destes cartas para os irmãos, fui a Damasco, para trazer maniatados para Jerusalém aqueles que ali estivessem, a fim de que fossem castigados” (Atos 22: 5). E agora, no seu segundo relato, diante de Agripa ele declara igualmente ter perseguido os santos “havendo recebido autorização dos principais dos sacerdotes” (26:10) e que foi “com poder e comissão dos principais dos sacerdotes” que ele havia partido para Damasco a fim de prender os crentes ali (Ver. 12). Assim, ele foi como representante designado de Israel e dos seus principais, e a sua amarga inimizade contra Cristo e os Seus seguidores era também expressão da deles.

     É neste relato da conversão de Paulo que ele diz que a luz que brilhava do céu era mais brilhante do que a do sol ao meio-dia. Somente os que conhecem o brilho ofuscante do sol Sírio ao meio-dia podem começar a apreciar isto. Esta não se tratava de uma visão subjetiva, experimentada apenas pelo apóstolo. A luz do céu brilhou envolvendo Paulo e os seus companheiros naquele dia (Ver. 13), como a glória do Senhor brilhou cercando os pastores no nascimento de Cristo (Lucas 2:9). E como os pastores, todos eles “tiveram grande temor”[1] e todos caíram por terra (Ver. 14).

     Este facto, por si só, indica quão importante evento histórico foi a conversão e a comissão de Paulo.[2] De facto, uma comparação da narrativa em Lucas 2 com a que temos aqui enfatizará isso ainda mais.

     A glória do Senhor que brilhava sobre os pastores surgiu de “noite” (Lucas 2:8,9), mas a glória que cegou Saulo - e abriu os seus olhos - eclipsou o sol ao meio-dia. Era glória da face d’Aquele que tinha sido exaltado “acima de todos os céus” (Efésios 4:10; cf. Efé. 1:20,21; Fil. 2:9; Heb. 7:26), que Paulo tinha estado a perseguir cegamente, mas que agora lhe aparecia em amor e graça.

     É também nesse relato que aprendemos que o Senhor se dirigiu a Paulo na língua sagrada de seus pais, a “língua Hebraica”, perguntando-lhe carinhosamente: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (Ver. 14).

     Mais uma vez, é neste relato que aprendemos sobre a branda repreensão do Senhor: “Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões”[3] (Ver. 14). E isso revela-nos um facto até então não divulgado: que o perseguidor de Cristo não estava seguro de si, pelo menos no momento exato antes da sua conversão.

     A sua incapacidade de responder a Estêvão (Atos 6:10), o semblante transformado de Estêvão diante do Sinédrio (6:15), o seu testemunho sobre ver “o Filho do homem” (7:56), a sua oração pelos seus assassinos (7:60) e uma série de outros incidentes deste tipo, associados àqueles que ele havia perseguido e ajudado a conduzir à morte, podem ter provocado uma condição de incerteza interior que sua obstinada determinação não conseguia superar.

     Finalmente, neste relato da conversão de Paulo, temos o mais completo relato do que o Senhor lhe disse do Céu.

     Primeiro, deve ser observado que Saulo não era, como os salvos sob os ministérios de João Batista e dos doze, um Judeu arrependido. Ele não procurou a Cristo nem desejou conhecê-Lo. A sua salvação foi claramente pela soberana graça. O Senhor apareceu a Paulo na sua obstinação, não para o punir, mas para o salvar e comissionar como Seu apóstolo.

     Em segundo lugar, aprendemos que as verdades que ele deveria proclamar ser-lhe-iam reveladas numa série de revelações nas quais o próprio Senhor lhe apareceria:

     “... [Eu] te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda” (v. 16; cf. 2 Cor. 12:1-4).

     Isto refuta o ensinamento de que o “ministério de revelação” de Paulo só começou depois de Atos 28:28. O apóstolo, na sua primeira revelação de Cristo, já havia visto o Senhor numa glória muito superior àquela que os doze haviam visto. Eles tinham conhecido Cristo apenas na terra; Paulo, desde o princípio, conheceu Cristo apenas exaltado “acima de todas as coisas” e havia-O visto na Sua glória celestial. Eles haviam sido enviados a proclamar os Seus direitos no reino, mesmo depois da Sua ascensão (veja Atos 1:6-8; 3:19-21; etc.). Ele havia sido enviado “para dar testemunho do “Evangelho da graça de Deus” (Atos 20:24). Por isso, o apóstolo nunca fala de “os meus Evangelhos” (no plural), mas sempre de “o meu Evangelho” (Rom. 2:16; 16:25; 2 Tim. 2: 8); nem ele alguma vez diz ou insinua que as revelações de Cristo que lhe foram dadas se referiam a diferentes mensagens, mas antes que uma única mensagem lhe foi gradualmente confiada numa série de revelações (Atos 20:24; 26:16; 1 Coríntios 9:17; 2 Cor. 12:1-4; Gál. 1:11,12,15,16; Efé. 3:1-4; Col. 1:24-26, etc.).

     Terceiro, aprendemos com esta passagem que desde o dia da conversão de Paulo ele foi o escolhido de Israel e dos Gentios como o apóstolo de Cristo para ambos.

     Aqui a palavra “livrando-te” (Verso 17) é quase certamente uma tradução incorreta do Grego, pois Paulo não foi “libertado” dos Gentios no sentido que seria aqui intencionado; na verdade, ele acabou por ser decapitado por Nero. O Grego exaireo significa simplesmente tirando-te, resgatando-te. Assim, pode-se referir à libertação, como em Atos 23:27, onde é traduzido corretamente por “resgatei” na Nova Versão Internacional (NVI). Mas em Mat. 5:29 certamente não poderia ser traduzido por “resgate” ou “libertação”. Nesta passagem, é corretamente traduzida: "E se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti". Nem, acreditamos que “livrar” é a tradução correta aqui. Dean Howson traduz: "Eu te escolhi" em Life and Epistles of St. Paul [Vida e Epístolas de S. Paulo] (p. 673). E J. N. Darby, na sua New Translation [Nova Tradução], traduz: “tirando-te”.

     Esta é uma tradução mais consistente, pois Paulo foi de facto escolhido e retirado do seu próprio povo[4] e dos Gentios, e enviado de volta a ambos[5] com a mensagem da graça. Isso também o distingue dos doze. Estes representavam as doze tribos de Israel (Mat. 19:28). Ele, como um só apóstolo, representa o um só Corpo (Col. 1:24; Efé. 4:4).

     E quão completo ele é como representante! Ele era Hebreu, Hebreu de nascimento e intensamente Hebreu (Filipenses 3:5). Ele também era, como vimos, Romano (Atos 22:25), Romano de nascimento (22:28) e intensamente Romano (21:39; 25:9-11). Aqui, então, temos um Hebreu e Romano numa só pessoa! Além disso, ele era um antigo inimigo, reconciliado com Deus pela graça“superabundante” graça! Que representante ideal dos Judeus e Gentios crentes nesta dispensação, que foram “[reconciliados] ambos com Deus em um corpo”, que têm “a remissão das ofensas segundo as riquezas da Sua graça!”

     O livro dos Atos, é claro, é principalmente o relato da queda da nação de Israel, não “a história da fundação da Igreja”, mas o registo dos Atos confirma o testemunho das primeiras epístolas de Paulo de que os crentes Judeus e Gentios reconciliados com Deus em um corpo começaram com Paulo, durante o início do seu ministério. Além disso, as palavras do Senhor: “a quem agora te envio [gr., apostello]” (Ver. 17) indicam que Paulo foi comissionado como apóstolo no próprio dia da sua conversão.

     Mas, apesar do esplendor da cena, o apóstolo está a falar aqui a um rei meio-judeu depravado com uma pobre mulher decaída ao seu lado, juntamente com um governador pagão e muitas outras almas perdidas. Assim, ele não discute o plano de Deus para formar o Corpo de Cristo, mas trata de assuntos morais e espirituais básicos.

     "O Cristo glorificado disse-me, naquele dia", lembra ele:

     “Te escolhi da casa de Israel, e dos Gentios, a quem agora Eu te envio,

     “Para lhes abrires os olhos,

     “e das trevas os converteres à luz,

     “e do poder de Satanás a Deus;

     “a fim de que recebam o perdão de pecados,

     “e herança entre os que são santificados pela fé que está em Mim.” (Vers. 17,18; Cf. Life and Epistles of St. Paul [Vida e Epístolas de São Paulo], p. 673).

     Como Agripa, Berenice, Festo e todos os demais devem ter sido tocados por esse desenrolar progressivo daquilo que o Cristo rejeitado, mas glorificado, estava disposto a fazer por eles! Cegueira eliminada, luz contemplada, pecados perdoados, riquezas da graça concedidas. Tudo isto e mais estava disponível podendo agora ser deles.[6]

 

[1] Ou, “se atemorizaram muito” (Atos 22:9). “A glória do Senhor” fazia os homens temerem, uma vez que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rom. 3:23).

[2] Para uma explicação mais plena deste assunto, veja as páginas de abertura do VOL II.

[3] Expressando resistência inútil, como quando os bois coiceiam contra os aguilhões dos seus condutores. Esta frase não se encontra em 9:5 na maioria dos textos.

[4] Nas Escrituras, o termo “os povos” refere-se a Israel (Sal. 2:1 e cf. Atos 4:25,27).

[5] Alguns sustentam que o “a quem” se refere apenas aos Gentios, não a ambos. É verdade que Paulo foi enviado especialmente aos Gentios, como contra a nação de Israel, mas o seu ministério até o fim, incluía tanto Judeus como Gentios (Veja Ver. 20; 1 Coríntios 12:13; Efésios 2:14-18; etc.).

[6] A frase “pela fé que está em Mim”, no entanto, não se refere à fé deles, mas à Sua fé ou fidelidade. A palavra fé aqui é usada subjetiva, não objetivamente (cf. Rom. 3:3; Gál. 2:20; etc.).

 

 

 Atos dispensacionalmente Considerados

Cornelius R. Stam

 

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