Uma história de dois príncipes
Ei, ei! Vinde, juntai-vos a nós num passeio de balão! Subindo progressivamente voámos, lentamente deslizando no céu, até avistarmos uma ilha ...
"Que lindo lugar," dirás. E tens razão - casas e campos coloridos e refulgentes, estradas e rios serpenteando, prados e árvores de um verde dourado e prateado, e um farol na praia.
Quantas vacas podemos avistar! E quantas ovelhas! Quantas embarcações, e quantas pontes! Quantos cisnes, e quantas galinhas!
E ... pessoas?
Ah! Não se vê nenhuma pessoa! Nem agricultores, nem pescadores, nem crianças, nem as mães. Absolutamente ninguém.
Perguntarás, "Onde estão?"
Oh! Para responder a isso, meu amigo, tenho que te contar uma história ...
Esta ilha encantadora pertence a um rei que é grande e bom. Há muito tempo, o rei levou para ali muitas pessoas. Ele ajudou-as a tornarem a ilha linda. Deu-lhes boas leis de modo a eles saberem o que fazer e como se comportarem, e como serem sempre felizes.
Depois o rei deixou a ilha, e viajou para o seu palácio do outro lado do mar.
As pessoas respeitavam tanto o rei que fizeram-lhe uma estátua. Era enorme e erguia-se junto ao porto.
E uma vez por ano, as pessoas carregavam um barco, enchendo-o de coisas boas - cereais e carne dos seus campos agrícolas, fruta das suas árvores de fruto, e peixe pescado com as suas redes de pesca. Enviavam estas riquezas para o outro lado do mar, como dádiva de honra ao seu rei.
Também escolheram um determinado homem como seu governador. O trabalho dele era ajudá-los a lembrarem-se do rei e das suas boas leis.
Um dia o governador passeava pela floresta e ouviu uma forte voz que parecia vir do solo. "Governador!", chamava a voz.
O governador voltou-se, mas não viu ninguém.
"Governador!", voltou a chamar a voz. "Quero falar contigo! Sou o príncipe desta ilha."
O governador estava espantado. "O príncipe?", indagou.
"Sim," respondeu a voz. "E tenho uma sugestão a fazer-te".
"Que espécie de sugestão?, perguntou o governador.
"Apenas isto", retorquiu a voz. "Porque é que não deixas de honrar o rei? Afinal, ele está tão longe. Derruba-lhe a estátua! Esquece as leis dele! E não lhe envies aquele barco carregado de riquezas anualmente. Guardai aquelas coisas boas! Ficai com elas e armazenai-as! Afinal, um dia, quando vierem tempos difíceis, podereis precisar delas".
O governador não queria acreditar no que estava a ouvir. Respondeu à voz, "Como é que podemos ser tão ingratos e odiosos para com o nosso rei?"
A voz não respondeu. Por isso o governador prosseguiu o seu caminho. Mas muitos pensamentos vinham-lhe à mente, atormentando-o.
Quando se procedia ao carregamento seguinte de riquezas para o rei, o governador desceu para observar. Foi de manhã muito cedo, quando o nascer do sol fazia o cais brilhar da cor do ouro.
Uma vez no cais, o governador viu grades e caixas e barris prontos a serem transportados para bordo. Também viu dez sacos de avelãs, acabadas de tirar das aveleiras da ilha.
O governador aproximou-se de dois estivadores, cujo trabalho era carregar o navio. Disse-lhes em voz baixa, "Por favor, peguem em dois daqueles sacos de avelãs e levai-os para o meu celeiro. Afinal, um dia, quando vierem tempos difíceis, poderemos precisar delas". Os estivadores fizeram como o governador lhes ordenou.
Mais tarde, naquele mesmo dia, aqueles estivadores começaram a murmurar com todos os outros estivadores e marinheiros que carregavam o barco. Diziam, "O governador está a tirar para ELE as riquezas do rei!"
Naquela noite os marinheiros e estivadores juntaram-se. Diziam uns aos outros, "Se o governador pode ter, nós também podemos ter!".
Eles dirigiram-se à zona portuária e, cobertos pela escuridão, descarregaram todas as coisas boas do barco. Cada um deles levava algo daquelas riquezas para sua própria casa ou celeiro. E alguns homens conduziram o navio para o meio do oceano, e afundaram-no.
Ora isto aconteceu pela noite dentro, quando uma vaca dum certo agricultor paria um novo vitelo.
O agricultor levantou-se para verificar a vaca e o seu rebento. E o que é que ele viu mais? Viu marinheiros e estivadores a levarem as riquezas do rei!
Pela manhã, bem cedo, o agricultor contou o que viu a um outro agricultor. Por sua vez esse agricultor contou a um outro. E este a um outro ainda. Todos os agricultores disseram uns aos outros, "Se os marinheiros e estivadores podem ter, nós também podemos ter!".
Os agricultores juntaram-se na zona portuária, e uma vez ali alguém lhes disse que o barco tinha sido afundado. Já não havia riquezas para levar. Os agricultores iraram-se. De facto, enfureceram-se. Gritaram, "QUEREMOS A NOSSA PARTE!"
Alguém disse aos pescadores o que acontecera. Isso fez com que os pescadores se enfurecessem. Eles juntaram-se e disseram, "Se os agricultores podem ter, nós também podemos ter".
Então os agricultores e pescadores começaram a assaltar as casas dos marinheiros e dos estivadores. Saquearam tudo o que lhes apeteceu.
Nesta altura estava toda a gente enfurecida.
Em toda aquela confusão de fúria, a estátua do rei foi derrubada, caindo na água.
Assim em apenas uma noite e um dia, o povo da ilha tinha-se esquecido de como se comportar e de como ser feliz. Agora estavam sempre odiosos. Estavam sempre de mau humor e com queixumes. Todos estavam enfurecidos, e todos estavam temerosos.
E já ninguém falava do rei, nem ninguém se lembrava mais das suas boas leis.
Um dia uma mulher com dois filhos dirigiu-se ao governador. "Olhe para estas crianças", disse-lhe ela. "Agora elas terão de crescer num lugar onde toda a gente vive dominada pela ira e o medo e o ódio e a infelicidade. E TUDO POR SUA CULPA!"
O governador não concordava que fosse tudo por sua culpa. "Mas tenho que fazer algo quanto a isto", decidiu.
Ele correu para a floresta. Dirigiu-se para o lugar onde tinha ouvido a voz que parecia vir do solo.
"Ei, príncipe!", chamou o governador. "Diz alguma coisa!"
"O que é que queres?", respondeu a voz. Num ápice o governador contou-lhe tudo o que tinha acontecido. E acrescentou, "É TUDO POR TUA CULPA! A tua sugestão foi terrível!"
"Tu és livre de fazeres o que quiseres com as minhas sugestões", disse a voz. "Mas sei de algo importante que seria bom que tivesses em mente".
"E o que é?", disse o governador.
"Apenas isto:", replicou a voz. "Há muito tempo que o rei não tem notícias desta ilha. Certamente que está irado, pois sabe que vos tendes esquecido dele. Em breve virá e punir-vos-á severamente!"
O governador ficou alarmado. "Oh, não!", gaguejou. "Estamos perdidos!"
"Oh, ainda não", disse a voz. "Eu sei como vos podeis salvar".
"Como?", disse o governador. Ele tremia, e escutava atentamente.
"Apenas isto", retorquiu a voz. "Afasta aqueles ramos de árvore atrás de ti, e verás uma passagem secreta." O governador afastou os ramos. Viu uma passagem para uma caverna profunda.
"Estou aqui", disse a voz, "nesta caverna enorme, com imenso espaço aqui para vos manter a todos seguros. Por isso apressa-te e avisa as pessoas do perigo. Fala-lhes deste esconderijo, e regressa aqui com todos eles. Depressa! O rei vem aí!"
O governador saiu dali a correr. E um turbilhão de pensamentos assolava-lhe a cabeça.
Ele regressou depressa com todas as pessoas que viviam na ilha - marinheiros, estivadores, agricultores e pescadores, mães e crianças. Uns após outros seguiram o governador, descendo nas trevas.
A voz do príncipe do abismo guiava-os. "Por aqui!" dizia ele. "Segui-me!"
Para baixo, para baixo, cada vez mais para o fundo, lá iam eles.
Depois de se ter passado bastante tempo, o governador perguntou, "Quanto mais?"
"Paciência, paciência," respondeu a voz do príncipe pausadamente.
Quanto mais eles desciam ... mais profundamente mergulhavam nas trevas.
Depois de se ter passado mais um bom espaço de tempo, o governador disse, "Aqui em baixo está muito escuro. Vou acender um fósforo."
""Não!", gritou a voz do príncipe. "Não faças tal! Isso cegar-me-ia, e depois eu não vos poderia guiar mais. Além disso, isto aqui em baixo está demasiado húmido para que um fósforo possa ser aceso."
"Ele estava certo. A Profundidade do abismo era húmida, e fria, e tenebrosa.
Depois de um outro significativo espaço de tempo se ter passado, algumas crianças começaram a chorar. Alguns dos pais começaram a gemer e a queixarem-se. Por isso o governador disse, "Príncipe, já fomos longe de mais, basta!"
A voz do príncipe não se fez ouvir em réplica.
De repente o governador ficou apavorado. "Ei, príncipe! Escuta-me! Onde é que estás?"
Mas uma vez mais não houve qualquer resposta.
As pessoas ainda não sabiam, mas o príncipe tinha voltado à entrada da caverna e fechou-a, selando-a. Agora é que não havia qualquer forma de sair dali!
E é claro que foi nesse dia que o nosso balão passou sobre a ilha, em que não se viam ali pessoas. Estavam todas sequestradas no interior daquele abismo profundo.
Perguntarás, "Mas, por favor, diz-me o que se passou a seguir".
Oh! Para responder a isso, meu amigo, tenho que acabar de te contar a história ...
Algumas pessoas na caverna tentaram encontrar uma saída. Mas nenhuma forma de escape podia ser encontrada. Assim algumas crianças choravam, algumas mulheres gritavam. E alguns dos homens resmungavam e vociferavam. Mas, é claro, nada disso ajudava.
"Calem-se todos! Silêncio!", ordenou o governador. "Acalmem-se!"
Eles aquietaram-se por uns momentos. Então de algures, nas trevas, eles ouviram uma gargalhada. Parecia a voz do príncipe do abismo.
"Onde é que estás?", exigiu o governador.
"Vocês não podem ver-me", disse a voz, "Mas eu posso ver-vos a vós".
O governador ergueu os punhos. "Tu vigarizaste-nos!", disse ele. "Mentiste-nos! Quem és tu, afinal?"
"Dir-te-ei apenas isto", disse a voz: "Há muito tempo eu vivia do outro lado do mar, no palácio do rei, que é refulgente e cheio de luz. Um dia disse-lhe que queria ser rei em vez dele. Ataquei-o e combati-o ferozmente, mas ele derrotou-me. Ele expulsou-me do palácio. Então atravessei o mar para fazer-me príncipe desta ilha. Agora odeio a luz, e amo as trevas. Pode ser que também aprendais a amá-las igualmente ... pois nunca vos deixarei sair daqui!"
Ele riu-se de novo soltando gargalhadas; deixando tudo mergulhado de novo no silêncio. Ter-se-á ele ido embora?, interrogavam-se as pessoas. Ou observa-nos de entre as frias trevas?
Tristes e cheias de medo, as pessoas chegaram-se mais umas às outras para se confortarem e aquecerem.
Passou-se um longo período de tempo. E já ninguém sabia se era dia ou noite, pois naquele abismo só havia trevas.
As pessoas estavam cansadas, e tentavam dormir. Mas ora uma criança chorava, ora uma mulher gritava, ora um homem resmungava ou vociferava.
É claro que nada daquilo ajudava.
E ali nas trevas frias e húmidas, as pessoas começavam a lamentarem-se pelas coisas erradas que tinham feito.
Então veio o momento em que alguém murmurou: ""Vejo uma luz!"
"Onde?"
"Ali! Vêde!"
Sim, era verdade - lá longe avistava-se uma luz resplandecente. Todos ficaram com os olhos esbugalhados à medida que a luz se aproximava.
De repente parou. Todos ouviram o som de combate - gemidos e gritos, e a colisão e som estridente das armas. A luz movimentava-se para um e outro lado.
Finalmente o som da batalha terminava. Lentamente a luz aproximava-se de novo, ficando cada vez mais perto. As pessoas viram, logo a seguir, a silhueta dum homem que transportava uma tocha. Ele cambaleava e mancava, como se tivesse sido ferido.
O homem chegou e pôs-se diante de todos, no círculo brilhante produzido pela sua tocha.
Os que estavam em frente podiam ver que o seu calcanhar estava a sangrar.
"Não temais", disse o homem a todos. "Eu vim para vos tirar deste lugar. Eu sou o filho do rei."
O filho do rei! As pessoas estavam atónitas, e cheias de medo, inicialmente.
"Não temais", disse o filho do rei novamente. "O meu pai perdoa-vos a todos por todo o mal que fizestes. Agora encontrei-vos e estais em segurança, e podeis seguir-me para o palácio ..."
"Mas - mas o príncipe!", disse o governador. "O príncipe do abismo -"
"Ele está derrotado", afirmou o filho do rei com uma voz serena e segura. "Ele atacou-me, mas eu venci-o, e ele nunca mais poderá reter-vos de novo nas trevas. Por isso vinde; segui-me!"
Dando as mãos umas às outras, as pessoas seguiram o filho do rei na longa viagem para cima e para fora do abismo ... e para o exterior caloroso e luminoso.
Naquela noite, o filho do rei embarcou no seu navio para voltar ao palácio real do outro lado do mar. "Mas um dia voltarei", prometeu ele às pessoas.
Com acenos de mão e vivas e lágrimas, as pessoas assistiram à partida do seu barco.
À medida que se fez ao mar o barco parecia cada vez mais pequeno. Finalmente desapareceu da vista deles.
E ainda hoje é isto o que acontece naquela linda ilha: Os marinheiros e estivadores e agricultores e pescadores e mães e crianças vão frequentes vezes para uma janela aberta ou para um alto monte ou para o farol na praia. Observam o outro lado do mar - e lembram-se do filho do rei ...
...e esperam o seu regresso.
Por ECKART ZUR NIEDEN
Gold 'n' Honey Books