21-09-08 - Wittenberg celebra os 500 anos do início da Reforma

Lutero pregou as suas teses na porta da igreja de Wittenberg.
Em Setembro de 1508, um monge de 24 anos de idade chamado Martinho Lutero (1483-1546) mudou-se de Erfurt para Wittenberg, onde pretendia continuar os seus estudos. Nove anos mais tarde, conta a história que ele pregaria na porta da igreja do castelo de Wittenberg as suas 95 teses contra o comércio de indulgências, o que marcaria o início da chamada Reforma Protestante.
Meio século mais tarde, ontem (20/09), o reformador voltou à cidade. Na realidade, foi um actor representando o teólogo, que foi recebido na entrada de Wittenberg, com muita música e alegria. As festividades prosseguirão até 2017, em diversas cidades relacionadas com Lutero. Um culto festivo abre a Década de Lutero hoje, domingo.
"Estamos à espera de milhares de pessoas de todo o mundo neste fim-de-semana, entre elas alguns teólogos famosos", anunciou Johannes Winkelmann, director da associação cultural Wittenberg.
De Erfurt a Wittenberg
Três ciclistas fizeram a rota de Lutero, partindo do mosteiro agostiniano de Erfurt até Wittenberg, onde anunciaram a "chegada" de Lutero. Este havia entrado para o mosteiro em 1505, depois de quase ser atingido por um raio.
No jardim da casa onde morou Lutero – hoje património mundial da Unesco – realizou-se uma festa popular. Lutero e a Reforma são as principais atracções turísticas de Wittenberg, no estado de Saxónia-Anhalt, no leste da Alemanha. A pequena cidade de 47 mil habitantes atrai anualmente cerca de 400 mil turistas do mundo inteiro.
História da conversão de Lutero
A idéia central da Reforma é a convicção de que o ser humano não pode nem tem necessidade de salvar-se por si mesmo. Antes, a salvação é dada em Cristo "unicamente pela graça" e aceita "somente pela fé". Aparentemente simples, esse pensamento, biblicamente fundamentado, originou uma nova compreensão da Igreja, do sacerdócio, dos sacramentos, da espiritualidade, da devoção, da conduta moral (ética), do mundo. Há um nome indissoluvelmente ligado a essas ideias: Martinho Lutero!
Lutero nasceu no dia 10 de Novembro de 1483 em Eisleben, Alemanha. Preocupado com a salvação, o jovem Martinho Lutero decidiu tornar-se monge. Durante o seu estudo, acompanhava-o sempre a pergunta: "Como posso conseguir o amor e o perdão de Deus?"
“Eu era um bom monge, e cumpria minhas regras tão estritamente que me aventuro a dizer que, se algum monge entrasse no céu pela vida monástica eu teria conseguido. Todos os meus companheiros no mosteiro que me conheciam, me confirmariam isto. Porque, se eu tivesse ido muito longe, eu teria me martirizado até à morte, com vigílias, orações, leituras e outras tarefas”.
“Porque eu esperava que encontraria paz de consciência com jejuns, orações, vigílias, com as quais eu afligia o meu corpo; mas, quanto mais eu me esforçava com coisas como estas, menos paz e tranquilidade eu conhecia”.
“Quanto mais santo, mais incerto eu me tornava”.
“Após vigílias, jejuns, orações e outros exercícios de natureza rígida, com os quais, como um monge, eu me afligia quase até à morte, a dúvida ainda era deixada em minha mente, e pensava, Quem sabe que estas coisas são agradáveis a Deus”.
Lutero foi descobrindo ao longo dos seus estudos que para ganhar o perdão de Deus ninguém precisava de castigar-se ou fazer boas obras, mas somente ter fé em Deus. Com isso, ele não estava a inventar uma doutrina, mas a retomar os pensamentos bíblicos importantes que estavam à margem da vida da igreja naquele momento.
A sua conversão aconteceu em 1516-17, sobre a qual ele escreveu o seguinte:
“Ainda que, como monge, eu levasse uma vida irrepreensível, sentia que era um pecador perante Deus, e tinha uma consciência extremamente perturbada. Não podia acreditar que Deus era aplacado com as satisfações que eu lhe dava. Eu não amava, mas sim, odiava a justiça de Deus que pune pecadores e, secretamente, se não com blasfémia, com certeza murmurando muito, estava irado contra Deus e disse: “Como se não bastasse que miseráveis pecadores, eternamente perdidos por causa do pecador original, sejam esmagados por toda espécie de calamidade pela Lei do Decálogo, Deus tivesse de acrescentar dor em cima de dor pelo Evangelho, e também com o Evangelho nos ameaçando com sua ira justa!” Deste modo, eu me irava, com uma consciência furiosa e perturbada. Todavia, persistentemente golpeava aquela passagem de Paulo, querendo ardentemente entender o que ele quis dizer com “a justiça de Deus”.
Finalmente, pela misericórdia de Deus, meditando de dia e de noite, consenti ao contexto das palavras, a saber: “Porque no Evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: O justo viverá pela fé”. Então comecei a entender [que] a justiça de Deus é aquela pela qual o justo vive por um dom de Deus, em outras palavras, pela fé. E este é o significado: no Evangelho, é revelada a justiça de Deus, isto é, a justiça passiva com a qual [o] Deus misericordioso justifica-nos pela fé, como está escrito: “O justo viverá pela fé”. Foi quando senti como se tivesse nascido de novo e entrado no paraíso por portões abertos. Aqui, me foi mostrada uma face completamente diferente da Escritura. Com base nisso, percorri outra vez, de memória, os textos das Escrituras (...)
E, exaltei minha palavra amabilíssima com um amor tão grande quanto o ódio com o qual antes havia odiado “a justiça de Deus”. Portanto, aquela passagem em Paulo tornou-se para mim verdadeiramente o portão para o paraíso (Prefácio aos Escritos em Latim, LW, 34:336-37).
Não é necessário dizer que a descoberta de Lutero da graça bíblica e a sua conversão pessoal alteraram radicalmente sua visão sobre o papado Católico Romano. O evangelho, Lutero argumentou, repudia “a ímpia ideia do reinado inteiro do papa, o ensino de que um cristão deve estar incerto sobre a graça de Deus para com ele. Se esta opinião permanece, então, Cristo é completamente inútil...Portanto, o papado é uma verdadeira câmara de tortura de consciências e o próprio reino do diabo” (LW 26:387).
Lutero decidiu tornar públicas as suas descobertas e elaborou 95 teses, reunindo o mais importante da sua (re)descoberta teológica, e fixou-as na porta da igreja do castelo de Wittenberg, no dia 31 de Outubro de 1517. Ele pretendia abrir um debate para uma avaliação interna da Igreja, pois acreditava que a Igreja precisava de ser renovada a partir do Evangelho de Jesus Cristo.
Lutero Quebra com Roma
1. A Venda de Indulgências: Lutero e Tetzel - Com o intuito de financiar a reconstrução da igreja de São Pedro em Roma, o Papa Julius II e Leão X sancionaram a venda indiscriminada de indulgências. Na linguagem de Roma, indulgentia é um termo para amnistia ou remissão de castigo, em particular, a remissão dos castigos temporais (não eternos) pelo pecado, sob a condição de que a pessoa realizasse boas obras específicas e fizesse contribuições financeiras generosas a Roma. Somente Deus pode perdoar o castigo eterno pelo pecado, mas o pecador ainda deve suportar o castigo temporal pelo pecado, seja nesta vida ou no purgatório. Esta última penalidade estava sob o controle do papado e do sacerdócio. Assim, por um preço, a igreja podia reduzir tanto o grau como a duração do castigo no purgatório, tanto para você como para os seus queridos falecidos, que já estão lá.
Quem estava na liderança da venda de indulgências na Alemanha era um monge Dominicano, bem conhecedor por sua imoralidade e bebedeira, por nome de Johann Tetzel. Ele começou o seu negócio na borda da Saxónia, em Juterbog, a poucas horas de Wittenberg. Tetzel era particularmente rude e mercenário nas suas tácticas. Ele usava frases poéticas para destacar o benefício das indulgências. Por exemplo,
“Quando a moeda no cofre soar,
A alma do purgatório saltará”.
Ele pregava:
“Indulgências sãos os mais preciosos e mais nobres dons de Deus...Venham e eu vos darei suas cartas, todas propriamente seladas, pela qual até mesmo os pecados que vocês intentam cometer, podem ser perdoados...Mas muito mais do que isto, as indulgências não beneficiam somente os vivos, mas os mortos também....Padre! Nobre! Comerciante! Esposa! Jovem! Moça! Vocês não ouvem os vossos pais e vossos outros amigos que estão mortos, e que clamam do fundo do abismo: 'Estamos a sofrer tormentos horríveis! Umas esmolas miseráveis nos libertariam; você pode dar, mas não quer!'?”.
Era difícil para as pessoas resistirem aos apelos engenhosos de Tetzel, tanto ao egoísmo deles como ao amor pelos pais.
A estória diz que após Tetzel ajuntar uma larga soma de dinheiro da venda de indulgências em Leipzig, um homem se aproximou dele e perguntou se ele poderia comprar uma indulgência por um pecado futuro, que ele estava a planear cometer. Tetzel disse que sim, e eles ajustaram o preço. Após isso, o homem atacou e roubou Tetzel, explicando que este era o pecado futuro que ele tinha em mente!
Tetzel tinha uma “tabela de preços” para o perdão de pecados:
Bruxaria - 2 ducados
Poligamia - 6 ducados
Assassinato - 8 ducados
Sacrilégio - 9 ducados
Perjúrio - 9 ducados
Lutero perdeu a sua paciência quando um bêbado caído no chão lhe mostrou um certificado de indulgência, como garantia para a sua condição inébria.
As indulgências podiam também ser obtidas por ver ou venerar certas relíquias. O príncipe de Lutero, Frederico o Sábio, era dono de uma das maiores colecções de relíquias na região, com mais de 19.000 peças, e valendo mais de 1.900.000 dias de indulgência. A colecção de Frederico incluía um pedaço da sarça ardente, ferrugem da fornalha de fogo, leite do seio de Maria, e um pedaço do berço de Jesus, só para citar algumas. A colecção de relíquias do Cardeal Albrecht valia mais de 39.245.120 dias de indulgência.
2. As 95 Teses: 31 de Outubro de 1517 - Enfurecido por estes acontecimentos blasfemos, na tarde de 31 de Outubro de 1517, Lutero publicou na porta do castelo-igreja de Wittenberg, as 95 teses ou proposições sobre o assunto das indulgências e solicitou uma discussão pública sobre o assunto. Houve pouca resposta inicial, mas a rápida circulação das teses (intituladas “Discussão para explicar a Virtude das Indulgências”) certamente instigou as coisas. Schaff escreve isto sobre as teses:
“Não houve nenhum protesto contra o Papa e contra a Igreja Romana, ou contra qualquer uma das suas doutrinas, nem mesmo contra as indulgências, mas somente contra o seu abuso. Elas expressamente condenavam aqueles que falavam contra as indulgências (Tese 71), e assumiam que o próprio Papa preferiria ver a Igreja de São Pedro em cinzas, antes do que construí-la com a carne e o sangue das suas ovelhas (Tese 50). Elas implicam uma crença no purgatório. Elas em nenhum lugar mencionam Tetzel. Elas são silenciosas sobre fé e justificação, que já formavam a essência da teologia e piedade de Lutero. Ele desejava ser moderado, e não tinha a mínima ideia de uma separação da igreja-mãe. Quando as Teses foram publicadas em suas obras seleccionadas (1545), ele escreveu no prefácio: Permiti que elas permanecessem para que por elas possa se mostrar quão fraco eu era, e em que estava flutuante de mente estava, quando comecei esta empreitada. Eu era um monge e um papista maluco, e estava tão submerso nos dogmas do Papa, que teria prontamente matado qualquer pessoa que negasse obediência ao Papa”.
A Reforma
Em pouco tempo toda a Alemanha tomou conhecimento do conteúdo dessas teses e elas espalharam-se também pelo resto da Europa. Embora tivesse sido pressionado de muitas formas - excomungado e perseguido - para abandonar as suas ideias e os seus escritos, Lutero manteve as suas convicções. Após a reforma começar, Lutero foi frequentemente difamado por seus oponentes católicos romanos. Em particular, foi dito que a mãe de Lutero manteve relações sexuais com o diabo e que Martinho era sua prole!
As suas ideias atingiram rapidamente o povo e essa divulgação foi facilitada pelo recém inventado sistema de impressão de textos em série.
O Movimento da Reforma espalhou-se pela Europa. Em 1530 os líderes “protestantes” escreveram a "Confissão de Augsburgo", resumindo os elementos doutrinários fundamentais.
Em 1546, no dia 18 de Fevereiro, aos 62 anos, Martinho Lutero faleceu.