26-01-08 - Evangelho da Prosperidade sob inspecção nos EUA
Deus e riquezas: investigação do Senado americano procura saber o que esconde o evangelho da prosperidade dos televangelistas.
A mensagem reluzia na sala de estar de Cindy Fleenor todas as noites: Seja fiel no modo como vive e no dinheiro que dá, diziam os televangelistas, e Deus dar-lhe-á chuvas de riquezas materiais.
Só que as bênçãos não vieram. Cindy acabou por pedir dinheiro emprestado a amigos e a instituições de crédito só para comprar comida. No início, ela cria na explicação que era dada na televisão: A fé dela não era suficientemente forte.
"Eu queria crer que Deus iria fazer algo grande comigo, do modo que ele estava a fazer com eles", disse ela. "Estou revoltada e amargurada com isso. Hoje, praticamente não vejo ninguém mais na TV".
Todos os três grupos que Cindy sustentava com as suas ofertas estão entre os seis grandes ministérios evangélicos de televisão sob a inspecção de um senador que está a questionar os gastos extravagantes dos evangelistas e os seus possíveis abusos do usufruto pessoal da isenção de impostos.
O Senador Charles Grassley de Iowa, o mais importante republicano no Comité de Finanças do Senado, está a investigar os milhões de dólares de igrejas desde Atlanta a Los Angeles: o "Evangelho da Prosperidade", ou a noção de que Deus quer abençoar com riquezas terrenas os que são fiéis.
Todos os seis ministérios sob investigação pregam o evangelho da prosperidade em graus variados.
Os seus proponentes chamam-no de mensagem de esperança biblicamente sã. Outros dizem que é uma distorção que enrique os evangelistas e rouba pessoas ingénuas e vulneráveis. Eles dizem que o evangelho da prosperidade se desenvolveu da mentalidade "é totalmente correcto gerar dinheiro" para "é correcto o pastor andar de carro de luxo, viver numa mansão à beira-mar e viajar de jacto particular".
"Há cada vez mais pessoas desesperadas que querem agarrar-se a qualquer coisa que alivie o seu sofrimento ou crise financeira", disse Michael Palmer, reitor da Faculdade de Teologia da Universidade Regent, fundada por Pat Robertson. "É um problema cada vez maior".
O movimento moderno da prosperidade tem origem, em grande parte, nos ensinos do evangelista Oral Roberts. Os discípulos de Roberts têm espalhado a sua teologia e vocabulário (Roberts e outros evangelistas, tais como Meyer, chamam aos seus doadores de "parceiros"). E vários pregadores populares da prosperidade, inclusive alguns que estão agora sob investigação, trabalharam na administração da Universidade Oral Roberts.
Grassley está a solicitar dos ministérios registos financeiros sobre salários, gastos, jactos particulares e outras vantagens financeiras. A investigação — juntamente com um escândalo financeiro na Universidade Oral Roberts que obrigou o filho e herdeiro de Roberts, Richard, a renunciar — está a levar as pessoas a reflectirem se o evangelho da prosperidade não estará na hora de prestar contas.
Embora poucos esperem que o movimento desapareça, a inspecção poderia forçar maior transparência e vigilância financeira num movimento perito em guardar segredos.
A maioria dos estudiosos traça as origens da teologia da prosperidade a E.W. Kenyon, um evangelista e pastor da primeira metade do século 20.
Mas foi só depois da 2ª Guerra Mundial e depois do aparecimento de dois evangelistas de Tulsa, Oklahoma, que a teologia da "saúde e da riqueza" se tornou competitiva nas igrejas pentecostais e carismáticas.
Oral Roberts e Kenneth Hagin, e mais tarde Kenneth Copeland treinaram dezenas de milhares de evangelistas com uma mensagem que resplandecia numa classe média emergente, disse David Edwin Harrell Jr., biógrafo de Roberts. Copeland está entre os que estão a ser agora investigados.
"O que Oral fez foi desenvolver uma teologia que aprovava a prosperidade", disse Harrell. "Ele permite que os pentecostais sejam fiéis às antigas verdades que os seus avós abraçavam e serem parte do mundo moderno, onde podem ter bons empregos e fazer dinheiro".
Os ensinos assumiram vários nomes: reivindicação, "palavra de fé" e evangelho da prosperidade.
Os pregadores da prosperidade dizem que não é tudo sobre dinheiro, que as bênçãos de Deus se estendem à saúde, relacionamentos e bem-estar suficientes para ajudar os outros.
Eles têm versículos da Bíblia na ponta da língua para defenderem as suas posições. Um dos versículos muitas vezes citados, na Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios, diz: "Ele Se fez pobre por amor de vós, para que, pela Sua pobreza, vos tornásseis ricos".
Os críticos reconhecem que a ideia de que Deus quer abençoar os Seus seguidores tem base bíblica, mas dizem que os pregadores da prosperidade usam os versículos fora de contexto e os adeptos da prosperidade também evitam os relatos bíblicos que mostram que Deus nem sempre recompensa os crentes fiéis, disse Palmer.
O Livro de Jó é um caso de religiosidade não recompensada, e um capítulo no Livro de Hebreus inclui uma longa descrição de crentes que foram torturados e martirizados, disse Palmer.
Contudo, o evangelho da prosperidade continua a atrair multidões, principalmente pessoas da classe média e baixa que, dizem os críticos, têm a maior motivação e que mais têm a perder. A mensagem da prosperidade está a espalhar-se por igrejas de negros, atraindo idosos com poupanças, e alcançando imensas igrejas em África e outras partes do mundo em vias de desenvolvimento.
O seu ensino não se importa com os temas cristãos tradicionais de céu e inferno, mas com respostas a preocupações urgentes do aqui e agora, disse Brian McLaren, um escritor e pastor evangélico.
Mas o evangelho da prosperidade, disse McLaren, não só rouba a esperança das pessoas vulneráveis, mas também coloca ênfase exagerada no sucesso e felicidade individual.
"Temos ignorado muito o que a Bíblia diz sobre a injustiça em geral", disse ele.
A inspecção, que é fundamental em igrejas cristãs transparentes, é em grande parte inexistente nas igrejas da prosperidade. Um dos pastores que está a ser investigado pelo Senador Grassley é o Bispo Eddie Long, de Atlanta. O bispo escreveu que Deus o orientou a livrar-se da "ímpia estrutura ministerial" do conselho de diáconos.
Alguns pastores exibem as suas próprias riquezas como prova de que o seu ensino funciona. O Pr. Creflo Dollar, de Atlanta, que está a tentar resistir à investigação de Grassley, possui um Rolls Royce, tem casas de milhões de dólares e viaja num jacto da sua igreja.
Numa carta a Grassley, o advogado de Dollar chama o evangelho da prosperidade de uma "convicção profundamente religiosa" baseada na Bíblia. Portanto, segundo ele, trata-se de algo que está protegido pela lei da liberdade religiosa. Grassley disse que a sua investigação não lida com teologia.
Mas até mesmo alguns críticos do evangelho da prosperidade, como o Rev. Adam Hamilton, da Igreja Metodista Unida da Ressurreição na Cidade de Kansas, Missouri, diz que a investigação está a entrar num campo minado. Hamilton tem uma igreja de 15.000 membros.
"Como é que dá para decidir quanto dinheiro um pastor assim pode fazer quando a sua teologia básica é que está certo ter riquezas?" disse Hamilton, que se formou na Universidade Oral Roberts, mas depois deixou o movimento carismático. "Isso entra em questões teológicas".