19-05-08 - Jorge Russo, um evangelista Argentino em zona de prostituição

E foi no lugar mais improvável, isto é, na arena do maior espectáculo de rock da América Latina, que Russo obteve satisfação plena, quando, de sobressalto, foi preenchido pelo amor de Deus. Infiltrada entre os milhares de roqueiros e simpatizantes que assistiam ao espectáculo, havia uma equipa de jovens missionários Brasileiros, que viam no evento uma oportunidade de evangelização. “Eles eram um grupo de dez pessoas, tocavam guitarra e cantavam alegremente, apesar de serem um tanto desafinados”, lembra Russo. “Perguntaram se podiam orar por mim. Eu disse que sim. Imediatamente, todo o efeito das drogas e do álcool desapareceu.”
Naquele momento, Russo soube que a sua busca havia chegado ao fim. Aqueles jovens literalmente estenderam-lhe a mão e ajudaram-no a sair do fundo do poço, acompanhando diariamente a sua gradual libertação. Alguns dias depois, o grupo convidou-o a viajar para Belo Horizonte (MG), e lá foi instruído na fé.
Em poucos anos, Russo decidiu colocar o lema do Cristianismo puro e simples de C. S. Lewis em prática, “fazendo aos outros aquilo que gostaria que fizessem a ele”. Deixou o preconceito e os tabus da Igreja de lado, e passou a evangelizar em locais inusitados e em festas profanas onde a presença de Cristãos era praticamente inexistente.
Em 1998, juntamente com alguns colaboradores, criou o Ministério Trio, um grupo musical do qual é líder e vocalista, e começou a realizar, semanalmente e em parceria com agências missionárias e igrejas locais cultos ao ar livre na zona de meretrício da capital mineira. O projecto cresce e obtém excelentes resultados.
Hoje, casado e pai de duas filhas Russo conversa com a revista Enfoque sobre a nobreza do evangelismo aos excluídos sociais, mas também revela os preconceitos e o despreparo da Igreja para receber pessoas que vivem à margem da sociedade.
ENTREVISTA à Revista Enfoque
OZIEL ALVES – Como surgiu a ideia de evangelizar na zona de prostituição da capital mineira?
JORGE RUSSO – Começou por mero acaso numa época em que o alvará (a permissão para usar som em local público) estava a ser negado. Procurámos um lugar onde não precisasse dessa permissão. Aí, fomos para a zona de prostituição em Belo Horizonte. Quando vimos o resultado nessa primeira noite, entendemos que Deus estava naquele local e que ele queria que estivéssemos também. Temos participado ainda de evangelismo de Carnaval, festas de cidades, em feriados prolongados, festivais, shows e, inclusive, temos ido aos terreiros de macumba nas reuniões nas praias de Niterói (RJ) e na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, nas datas de Iemanjá.
OZIEL ALVES – Existem críticas por parte da Igreja com relação ao evangelismo de impacto?
JORGE RUSSO – A Igreja ainda tem muitos tabus com respeito a esse tipo de trabalho. Não tem como não ser criticado. Mas não posso negar a minha chamada e nem posso me esquecer de onde fui resgatado pelo amor de Deus. O Rock in Rio era um antro de perdição, prostituição e vícios. Mas foi lá que Jesus me encontrou! Querendo ou não, você acaba incomodando os “acomodados”, que sempre têm uma palavra de crítica destrutiva. Mas hoje a situação já é um pouco diferente. A Igreja está entendendo aos poucos a verdadeira chamada. Creio que é uma questão de tempo. Se meditarmos nas Escrituras, vamos descobrir que Jesus passava a maior parte do tempo no meio desse povo precioso. Comia e bebia com eles, os ouvia e depois os ensinava e os curava. E ele também era criticado por isso.
OZIEL ALVES – Como é evangelizar pessoas tão feridas pelas circunstâncias da vida e como você se sente diante do número cada vez mais crescente da prostituição no Brasil?
JORGE RUSSO – Evangelizar pessoas deprimidas, desesperadas, é bem mais fácil do que se pensa. São pessoas que esperam pela oportunidade de um dia encontrar uma forma de sair do fundo do poço. Quando você chega com a mensagem da cruz, do Evangelho e do amor de Deus, elas praticamente se atiram. Os números das pesquisas são assustadores, mas a Igreja também tem crescido. Então, é uma questão de sair e executar o “Ide” do Senhor. Não é necessário abrir uma igreja em cada esquina, mas, como Cristãos, precisamos de cultivar a consciência de que o meu vizinho é da minha responsabilidade. Ele é o meu próximo. Se tivermos essa consciência, torna-se mais fácil. Nós somos a Igreja. Às vezes, nem precisamos de falar muito. Se apenas nos dispusermos a ouvir essas pessoas e entendê-las, orar por e com elas, já basta.
OZIEL ALVES – No quesito “evangelismo e acolhimento aos excluídos sociais”, onde é que a Igreja falha?
JORGE RUSSO – A Igreja está viciada em sensações e cada um centrado no seu próprio bem-estar. Basta você ouvir as canções que cantamos para perceber isso. “Eu sei, eu posso, dá-me isso, dá-me aquilo, sou vencedor, sou feliz etc.” Os Cristãos precisam de deixar de se acharem tão especiais e começarem a lembrar-se que Jesus pagou o mesmo preço pelas prostitutas, viciados, meninos de rua. Ninguém vale mais do que o outro. Estamos todos nivelados na cruz do Calvário. Existe a necessidade urgente de uma mudança na mentalidade da Igreja, no sentido de obedecer ao Senhor no que se entende por chamada e ministério.
OZIEL ALVES – Existe lugar para os excluídos sociais dentro das igrejas, ou você ainda enxerga preconceito dentro da instituição?
JORGE RUSSO – Hoje, se um mendigo chegar à porta da igreja, dificilmente será convidado a entrar. O preconceito é visível, embora disfarçado. Existe uma mentalidade segregadora. Se a pessoa não é como nós, a excluímos. Assim como Jesus fez, precisamos ir até eles também. Algo curioso: quando começamos a adorar ao Senhor na rua (seja Zona Sul, periferia ou baixo meretrício), a presença d’Ele se manifesta muito mais palpável e muito mais rápido do que em qualquer congresso de adoração (temos ministrado em vários desses congressos). É uma experiência incrível. É como se o Senhor falasse: “Eu estou aqui, no meio deles”. O significado da palavra “igreja” (“ecclesia”) é “chamados para fora”. Acho que isso resume tudo.
OZIEL ALVES – Em todo esse tempo de ministério, quais são os resultados do evangelismo aos excluídos?
JORGE RUSSO – Por enquanto, os resultados são poucos, justamente por causa da falta de estrutura da instituição Igreja para acolher essas pessoas e tratar delas. Mas existem algumas casas de recuperação, ainda que poucas, que fazem esse trabalho com muito amor. Já podemos ver ex-prostitutas com lares estabelecidos (marido, filhos) e ex-mendigos que hoje, com a vida restaurada, são obreiros de igrejas.
OZIEL ALVES – Como ocorre o evangelismo?
JORGE RUSSO – O nosso carro-chefe é a música e a adoração. Então, chegamos ao local, montamos a aparelhagem e começamos a tocar e a adorar a Deus. A presença do Senhor faz a maior parte. O Espírito Santo é quem convence do pecado, da justiça e do juízo. O que fazemos é apenas adorar. Ele faz tudo. Enquanto adoramos, alguns saem com folhetos e abordam as pessoas que estão prestes a entrar ou sair dos prostíbulos. Batem papo, informalmente, ouvem o que eles têm a dizer e, aos poucos, vão introduzindo o Evangelho na conversa.
OZIEL ALVES – O que você diria àqueles que desejam praticar o evangelismo de impacto, mas ainda estão receosos?
JORGE RUSSO – Eu queria desafiá-los a experimentar aquilo que o próprio Senhor Jesus experimentou: andar no meio desse povo e se relacionar com ele. Ouvir as pessoas. Se você fizer isso com amor, vai ter experiências impressionantes no Senhor. Foi por eles que o Senhor morreu. A Igreja já é d’Ele. Mas a paixão do Senhor continua sendo o perdido, como diz João 3.16: “Porque Deus amou tanto o mundo...” Ele continua amando o mundo, as pessoas. Ele é apaixonado pelo ser humano. Ele disse aos religiosos em Mateus 21.32: “As prostitutas e os publicanos estão entrando antes que vocês no reino dos céus”. Se você for evangelizar uma prostituta, vai descobrir que dentro dela existe um coração sensível e quebrantado. E vai sentir o amor de Deus fluindo através de você. Jesus era criticado, mas tinha prazer em andar no meio do povo rejeitado, discriminado, e assim os curava, os restaurava. Agora é a nossa vez, nós (a Igreja) somos o seguimento desse trabalho. O mundo espera por nós!